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02
Ago

Hospital deve indenizar por impedir homossexual de doar sangue

A eficácia das decisões proferidas em controle concentrado de constitucionalidade ocorre a partir da publicação da ata de julgamento. Com base nesse entendimento, a 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo condenou o Instituto de Hemoterapia do Hospital Oswaldo Cruz a indenizar um homossexual em R$ 2 mil por impedi-lo de doar sangue.

Na ação, o autor disse que foi ao instituto para realizar uma doação de sangue em 11 junho de 2020, mas foi impedido, com fundamento na Portaria 158/2016 do Ministério da Saúde, em razão de ter mantido relações sexuais com outro homem nos últimos 12 meses. 

Porém, segundo o autor, a proibição contrariou o entendimento do STF na ADI 5.543, que decidiu, em maio de 2020, pela inconstitucionalidade da proibição de doação de sangue por homossexuais. Ele afirmou que decisões do STF em sede de controle concentrado de constitucionalidade possuem eficácia imediata e efeito erga omnes e ex tunc.

Assim, pediu a condenação do instituto ao pagamento de indenização por danos morais de R$ 30 mil. O hospital, por sua vez, alegou que só foi comunicado da decisão do STF em 12/6/2020, um dia depois do comparecimento do autor para a doação de sangue, mas que imediatamente passou a acatar a nova orientação.

Em primeiro grau, a ação foi julgada improcedente. A sentença foi reformada pelo TJ-SP. De acordo com o relator, desembargador Alcides Leopoldo, a eficácia das decisões proferidas em controle concentrado de constitucionalidade ocorre a partir da publicação da ata de julgamento, o que, no caso da doação de sangue por homossexuais, se deu em 22/5, ou seja, antes da ida do autor ao instituto.

“A recusa pela ré se deu 20 dias após a publicação da ata de julgamento pelo STF, afigurando-se inverossímil que neste meio tempo esta decisão não tenha chegado ao conhecimento da ré, não apenas por guardar íntima pertinência com sua atividade empresarial, mas também pelo fato de ter sido amplamente divulgada à época pelos diversos meios de comunicação, inclusive pela imprensa internacional, desde o dia 8/5/2020, quando foi concluído o julgamento, e profusamente comemorada por toda a comunidade LGBTQIA+”, disse.

Conforme o relator, desde a publicação da ata de julgamento da ADI 5.543 em 22/5/2020, o instituto já estava vinculado à decisão do STF. Para Leopoldo, ainda que não tenha agido com dolo manifesto, o hospital incorreu em ato ilícito, “não o isentando da obrigação de indenizar o desconhecimento da eficácia da decisão do STF, preferindo aguardar a comunicação do Ministério da Saúde”.

O desembargador afirmou que, neste cenário, ficou configurado o dano moral pela violação a direito da personalidade: “O requerido foi impedido de doar sangue com fundamento em norma discriminadora, reconhecidamente inconstitucional, violadora de princípios e garantias fundamentais como o princípio da dignidade da pessoa humana, autonomia privada e igualdade substancial, o que configura dano moral indenizável, extrapolando o mero aborrecimento”.

Ao arbitrar a indenização em R$ 2 mil, Leopoldo considerou que, embora a conduta do hospital tenha sido “injusta”, ela se deu com base em normas administrativas do Ministério da Saúde e da Anvisa, e que, “incoerentemente, até pouco tempo antes dos fatos, eram vigentes e amplamente aplicadas pelos hemocentros de todo o país”. A decisão foi por unanimidade.

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1052859-69.2020.8.26.0100

Tábata Viapiana é repórter da revista Consultor Jurídico

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