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Brumadinho: indenizações por danos morais no maior acidente do trabalho da história

Em janeiro, uma tragédia ambiental e humana chocou o país. O rompimento da barragem de rejeitos da Mineradora Vale, em Brumadinho (MG), contaminou a água e o solo da região, destruiu propriedades, matou milhares de animais e, entre mortos e desaparecidos, vitimou mais de 300 pessoas, muitas das quais eram trabalhadores que prestavam serviços à Vale.

Além de repercussões ambientais, criminais e cíveis, esse triste episódio enseja reflexões no âmbito do Direito do Trabalho. Para os trabalhadores, a perda da vida em decorrência do rompimento da barragem assume uma dimensão adicional: está-se diante do maior acidente do trabalho da história brasileira.

Tal fato reacendeu discussões relativas ao tabelamento das indenizações por danos extrapatrimoniais, criado pela reforma trabalhista de 2017 (art. 223-G da CLT). Esse dispositivo é bastante debatido por uma série de razões, dentre as quais destacam-se duas: ao vincular os parâmetros indenizatórios ao salário do ofendido, criam-se situações de iniquidade em que trabalhadores vítimas de um mesmo fato poderão receber indenizações significativamente discrepantes; ao engessar os parâmetros de quantificação, o legislador restringiu o arbitramento de valores que atendam ao caráter punitivo-pedagógico das indenizações.

Entretanto, tais debates não são pertinentes ao caso em tela, já que o art. 223-G da CLT não se aplica quando ocorre o falecimento do trabalhador. Isso, porque o art. 223-C elenca como bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física, para fins dos danos extrapatrimoniais trabalhistas: a honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física. Deste rol, não consta o direito à vida.

Se o trabalhador faleceu em decorrência de acidente do trabalho, a dor moral que se pretende compensar não é a sua própria – já que, sem vida, não há dor – mas a de seus familiares. A relação de emprego encerra-se com o óbito do trabalhador, e a relação existente entre o ofensor (ex-empregador) e os familiares do empregado falecido é de natureza civil, não trabalhista.

O tabelamento dos valores de indenização previsto nos incisos do §1º do art. 223-G refere-se sempre ao “salário contratual do ofendido”. Mas se a dor moral que se pretende reparar não é sofrida pelo trabalhador falecido, e sim a seus familiares, o “ofendido” neste caso não é o trabalhador, mas a família – e não faria qualquer sentido que a indenização fosse arbitrada a partir do salário recebido pelo ofendido (familiar da vítima) em relação trabalhista mantida com terceiros. Logo, os critérios de tabelamento previstos na CLT não se aplicam quando o titular do dano moral não é o próprio trabalhador.

Não se confundem as situações em que os familiares do trabalhador pleiteiam, na qualidade de substitutos processuais, o pagamento de indenização por danos morais que foram sofridos por ele na vigência da relação empregatícia, com aqueles casos em que os familiares postulam indenização por dano próprio, a si mesmos causado pelo óbito de seu ente querido. No primeiro caso, a indenização devida ao trabalhador falecido poderá vir a integrar o patrimônio de seus familiares por força de herança; no segundo caso, se está diante de direito personalíssimo autônomo dos familiares do de cujus. 

Diante disso, os parâmetros fixados pela reforma trabalhista para a quantificação das indenizações por danos extrapatrimoniais não são aplicáveis a acidente do trabalho que ocasione a morte do trabalhador. Em tal caso, a indenização possui natureza civil e, como tal, deve ser regida pelo Código Civil (art. 944): “a indenização mede-se pela extensão do dano” (restitutio in integrum).

Fonte: Alessandra Barichello Boskovic, advogada e doutora em Direito

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