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Fraudes no INSS: Quando Descontos Indevidos Comprometem a Dignidade dos Aposentados.

Por Eduardo de Deus

Nos últimos anos, uma prática recorrente e alarmante tem afetado milhares de aposentados e pensionistas em todo o país: o desconto indevido de mensalidades associativas diretamente nos benefícios previdenciários. Trata-se de um fenômeno que vai além de simples falhas administrativas. Estamos diante de uma engrenagem complexa de fraudes que envolvem associações de fachada, ausência de autorização dos segurados e omissão por parte do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que, embora seja responsável pela gestão dos pagamentos, tem falhado na fiscalização e validação de autorizações para descontos.

Exemplo Prático e Sua Relevância Sistêmica

Imagine o caso de uma aposentada idosa que, ao consultar seu extrato de pagamento no portal do INSS, percebe um desconto mensal identificado como “CONTRIBUIÇÃO.ASSOC”. A surpresa é imediata, pois ela jamais autorizou qualquer desconto, tampouco conhece a origem da cobrança ou a associação supostamente beneficiada.

Mesmo sendo uma pessoa sem familiaridade com meios digitais e com grau de escolaridade limitado, o desconto foi registrado em sua folha de pagamento de forma sistemática, mês após mês. Sem qualquer contrato, termo de adesão ou consentimento formal, ela vê-se privada de parte da sua aposentadoria, sua única fonte de renda, comprometendo itens básicos como alimentação, medicamentos e contas essenciais.

Este exemplo reflete a realidade de milhares de aposentados e pensionistas em todo o Brasil, vítimas de descontos automáticos promovidos por entidades privadas que, mediante registros suspeitos, conseguiram acessar a base de dados do INSS. A prática é silenciosa, contínua e agravada por uma ausência de mecanismos eficazes de controle por parte da administração previdenciária, que deveria zelar pelo respeito à vontade do segurado e pela integridade dos seus rendimentos.

Fraudes Sistêmicas e Investigação Federal

Em 2024, veio à tona uma investigação conduzida pela Polícia Federal e pela Controladoria-Geral da União (CGU), revelando a existência de um esquema nacional de inclusão fraudulenta de associações em folhas de pagamento do INSS. Estima-se que os prejuízos tenham ultrapassado R$ 6,3 bilhões em cinco anos, beneficiando diretamente entidades que lucravam com descontos massivos e automatizados, sem qualquer autorização legítima ou comprovada por parte dos segurados [1].

A gravidade do caso foi tamanha que, no corrente ano, levou ao afastamento do então presidente do INSS, escancarando uma estrutura fragilizada de controle interno, falhas na validação das autorizações e, possivelmente, conivência institucional. O caso repercutiu nacionalmente, abrindo um amplo debate sobre a segurança de dados dos beneficiários, a responsabilização civil do Estado e a necessidade de mecanismos mais eficazes de bloqueio de descontos abusivos [2].

A Responsabilidade Objetiva do INSS

Nosso ordenamento jurídico brasileiro estabelece que a Administração Pública responde objetivamente pelos danos causados a terceiros, conforme o artigo 37, §6º, da Constituição Federal. No contexto previdenciário, isso significa que o INSS, enquanto gestor da folha de pagamentos e executor dos descontos, tem o dever de verificar a legalidade das autorizações apresentadas pelas associações, resguardando a vontade do beneficiário.

Ainda que o desconto seja promovido por entidade privada, a omissão do INSS na verificação da autenticidade da autorização e na proteção dos dados do segurado configura falha grave no dever de guarda e zelo do patrimônio do aposentado. Trata-se de uma falha administrativa que, pelas regras da responsabilidade objetiva, impõe à autarquia a obrigação de reparar os danos causados independentemente de dolo ou culpa.

Jurisprudência e Dever de indenizar

A jurisprudência atual é clara ao reconhecer que a responsabilidade do INSS é objetiva. Basta a comprovação do dano e do nexo causal entre a falha administrativa e o prejuízo sofrido pelo segurado. Ou seja, o desconto sem autorização é, por si só, um ato ilícito e enseja o dever de indenizar, tanto na esfera material quanto moral.

“Responde o INSS por desconto indevido do benefício previdenciário (aposentadoria) de valores referentes a empréstimo em consignação, pois deu-se sem autorização do beneficiário, já que o contrato bancário foi realizado sem a sua participação.”​ (…). (TRF-4 – AC: 50708967320204047100 RS, Relator.: ROGER RAUPP RIOS, Data de Julgamento: 11/04/2023, TERCEIRA TURMA).

Além da devolução em dobro dos valores indevidamente descontados, é comum o reconhecimento do dano moral, especialmente quando o segurado é idoso, analfabeto ou encontra-se em situação de vulnerabilidade socioeconômica. A jurisprudência entende que a aflição, angústia e desamparo causados por esses descontos ilegítimos configuram ofensa à dignidade da pessoa humana.

O Papel do Judiciário e da Advocacia Previdenciária

Diante do cenário de violação reiterada de direitos, torna-se essencial o papel do Poder Judiciário como garantidor da legalidade, da proteção ao idoso e do direito à ampla defesa. O Judiciário deve impor medidas corretivas que visem não apenas reparar o dano sofrido pelo beneficiário, mas também coibir a continuidade dessa prática abusiva.

Do mesmo modo, a advocacia previdenciária tem um papel fundamental. O advogado especializado não apenas representa juridicamente o segurado, mas também atua como fiscal da legalidade, denunciando irregularidades, requerendo bloqueios administrativos, propondo ações de restituição e pleiteando a condenação das entidades e do INSS, quando cabível.

Conclusão

A responsabilização do INSS por descontos indevidos em benefícios previdenciários não é apenas jurídica, mas também ética, institucional e social. Diante da fragilidade do sistema e da prática recorrente de fraudes, o Judiciário tem adotado uma postura firme, reforçando a tutela dos direitos dos aposentados e o dever de reparação por parte dos entes públicos.

Mais do que garantir a devolução de valores, é necessário assegurar que a dignidade do segurado seja respeitada, que seus dados estejam protegidos e que o sistema previdenciário adote protocolos mais rígidos de verificação e bloqueio. Somente com medidas estruturais e fiscalização efetiva será possível impedir a continuidade desse modelo de apropriação silenciosa do patrimônio dos mais vulneráveis.

Por fim, se você identificou descontos que não reconhece em seu benefício previdenciário, especialmente com a descrição “CONTRIBUIÇÃO ASSOCIATIVA”, não hesite em procurar um advogado especializado em Direito Previdenciário.

Referências

[1] Governo Federal. “Proteção aos aposentados”, 2025. Disponível em: https://www.gov.br/secom/pt-br/assuntos/noticias/2025/04/201cprotecao-aos-aposentados201d-diz-lewandowski-sobre-operacao-contra-fraudes-descontos-no-inss

[2] O Globo. “PF e CGU fazem operação contra esquema nacional de descontos associativos”, 2025. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2025/04/23/pf-e-cgu-fazem-operacao-contra-esquema-nacional-de-descontos-associativos-de-sindicatos-em-aposentadorias-e-pensoes.ghtml

Fonte: Adv. Eduardo Luiz Costa de Deus - OAB/PR 94.427