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Gestão Jurídica. Chips e Inteligência Artificial ou Neurônios e Sabedoria?

Até que ponto podemos apostar em Inteligência Artificial na gestão jurídica?

Recentemente, no programa televisivo “Conversa com Bial”, o jornalista e entrevistador Pedro Bial entrevistou o sociólogo sueco Nick Bostrom, tendo como comentaristas os estudiosos Glauco Arbix e Stevens Rehen.

O panorama geral da conversa era um certo temor da Inteligência Artificial; de como ela pode nos dominar no futuro e, inclusive, suplantar nossas atividades remuneradas; vale dizer, podemos perder nossos empregos para as máquinas.

Em dado momento da conversa e já em últimas considerações, Glauco Arbix, expôs que, sobre o futuro da Inteligência Artificial, em seu ponto de vista, a discussão sobre máquinas é a que menos importa: – “Sinceramente? Tô pouco preocupado com as máquinas”, disse ele. E acrescentou: “A principal reflexão é o que nós queremos! (…) A discussão sobre a humanidade é o mais importante que as máquinas podem nos proporcionar!”

Ora, e não é exatamente isso? Se nós, seres humanos sociais e dotados de vontade e livre arbítrio, permanecermos em quietude passiva e simbiótica para as tecnologias que surgem, qual a escolha de vida que estamos fazendo? Nos adaptar a esses sistemas que nos escravizam (e à vontade de quem os planeja)? Não seria mais interessante e sábio tomar as rédeas do próprio destino e fazer dessas invenções ferramentas para nossos desejos e aspirações?

Vindo para o nosso metiê mais direto, assim também o é na gestão jurídica.

 

Atualmente são milhares de ferramentas disponíveis ao gestor jurídico para equipar seu escritório com o que de mais eficiente existe em Inteligência Artificial. Basta uma rápida procura para localizar as mais diversas invenções, prometendo “mundos e fundos”.

A maior parte delas flertam com nossas ideias de impossível, como as ferramentas de pesquisa jurídica, em que, exatamente como nos antigos filmes do “Batman”, o advogado faz uma pergunta ao computador (podendo perguntar até verbalmente) e o mesmo combina informações disponíveis na internet para fornecer uma resposta. Existem ainda aquelas que se dedicam a eliminar pessoas da relação com a clientela. Atendem, tratam, agendam e até dão feedback. Algumas inclusive negociam!

Ao gestor jurídico, a primeira visita a esse universo parecer-lhe-á fantástico! Inclusive por não precisar de pessoas para alguns serviços. Confessemos que volta e meio temos o sonho secreto de não precisar de seres humanos para certas tarefas.

Mas exatamente como uma chave de fenda, um martelo ou qualquer outro instrumento, por mais poderosa e eficiente que seja a ferramenta, haverá muito pouca utilidade para a Inteligência Artificial se ela não for, antes, direcionada pelo seu usuário!

E aí, caímos no paradoxo existencial do ser humano: lutamos por individualidade (inclusive para nossa defesa psíquica), mas somos, em essência, seres sociais… Para existir, nascer, e durante toda nossa vivência, precisamos de alguém (ou alguéns).

E isso importa dizer que, na formação, consolidação ou finalização de qualquer negócio, existem… Pessoas! Todo trabalho é realizado para um ser humano! É ao conjunto de seres humanos, que recebem o trabalho que realizamos, que se convencionou a chamar de “mercado”. E é ao conjunto de pessoas que nos auxiliam em nossa lide que se se convencionou chamar de “equipe” (ou “time”, etc.)

Pois então, antes de partir para o investimento de tempo, dinheiro e energia a implantar uma ferramenta de Inteligência Artificial, vale à pena o gestor jurídico se entregar a determinadas reflexões primordiais.

Inicialmente: O que o meu mercado quer do escritório sob minha gestão? Melhor colocando, o que as pessoas querem do meu escritório? (Como vimos, no final das contas, o que importa são as pessoas!).

O meu mercado e a minha clientela querem ser atendidos por “bots”? Em caso positivo elas se adaptarão ao tipo de “bot” eleito? As pessoas que pagam pelos serviços do escritório desejam enviar documentos ou receber relatórios de andamento processual via mail? Ou elas preferem vir pessoalmente ao escritório serem atendidas por alguém bem preparado para tanto? Ainda: o “bot” será eficiente para fidelizar minha clientela? Se algum cliente, mais expressivo, vier a faltar em minha carteira de recebimentos, terei um feedback e possibilidades de expansão a partir de um trabalho de pós-venda realizado?

Essas questões parecem prescindíveis num primeiro momento, mas serão de fundamental importância se houver problemas de faturamento ou fluxo de caixa a partir do não atendimento dos anseios da sua clientela (ou das pessoas).

Ainda cabe outra vertente de reflexão: o que minha equipe de trabalho deseja e o que eu (ou o escritório) desejo dela? Queremos poucas pessoas focadas em operar sistemas e sem grandes variações de tarefas ou queremos cabeças pensantes em novas possibilidades? Queremos lidar com os egos humanos ou simplesmente entregar tarefas repetitivas sem maiores preocupações? É mais importante entender as máquinas ou ter um conjunto de pessoas com anseios por desafios e vendas? É mais interessante saber o caminho das repartições forenses e bem se comunicar com os servidores ou que se deixe isso para os sócios?

É fundamental estar atento à egrégora que se pretende obter no escritório a partir do conjunto de pessoas eleitas para o trabalho (ou da falta delas). Afinal, é a equipe que vai estar sob seu convívio diariamente no desenvolvimento do trabalho. E, sendo a advocacia uma ciência humana, e na maior parte das vezes, colaborativa, a troca de ideias e informações costuma a ser um dos tesouros que uma equipe proporciona. Máquinas fazem isso?

Por fim (e não menos importante): O que o escritório quer? Qual é o planejamento de futuro? Sempre se deseja crescer e aumentar o faturamento, mas de que forma? Nos importa a advocacia de massa ou o atendimento do tipo “boutique jurídica”? Quanto de tempo diário se deseja dedicar ao trabalho? E o que fazer com o tempo restante?

Em 1940, no belíssimo longa metragem “O Grande Ditador”, Charlie Chaplin advertiu: “Não sois máquinas! Homens é que sois!”

A grande diferença entre sermos humanos ou sermos autômatos consiste na sabedoria para eleger e manter nossos atos e aspirações em prol de algo muito mais elevado do que a tecnologia robótica: contribuir para um mundo melhor, mais bondoso e feliz! E se conseguirmos fazê-lo em nosso ecossistema (família, trabalho, clientela, sociedade, etc.), estaremos inspirando outros a fazê-lo também.

A inteligência pode ser artificial… Mas a sabedoria será sempre humana!

De que forma você deseja utilizar a sua?

Fonte: Daniel Melim – Advocacia Empresarial e Trabalhista.

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