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23
Fev

Dados do Unicef apontam que o Brasil ocupa o 4º lugar em casamentos infantis no mundo

Segundo promotora de Justiça, pandemia agravou a situação

Em números absolutos, o Brasil ocupa o quarto lugar no mundo em casamentos infantis, segundo pesquisa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Perde apenas para Índia, Bangladesh e Nigéria. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), o casamento infantil é a união formal ou informal em que pelo menos uma das partes tenha menos de 18 anos.

O tema foi debatido nesta quarta-feira (23) na Comissão Externa Sobre Violência Doméstica Contra a Mulher. Os dados foram apresentados por representantes do Ministério Público do Piauí.

Ainda de acordo com os dados levados à audiência, no caso brasileiro, o casamento infantil, ao contrário de alguns países africanos e asiáticos, não tem aspectos culturais e ritualísticos, mas consensuais, ou seja, seria uma opção de adolescentes, ainda que motivada por uma série de fatores, como por exemplo a pobreza.

Em 2016, o número de casamentos ou uniões no Brasil foi de 1,09 milhão. Desse total, 137.973 incluíram pessoas com até 19 anos, sendo 28.379 meninos contra 109.594 meninas.

Abandono escolar
Segundo a promotora de Justiça do Piauí Flávia Gomes Cordeiro, entre as principais consequências do casamento infantil para as meninas estão o aumento do serviço doméstico, o cuidado parental exercido predominantemente por elas, a falta de profissionalização, a exclusão do mercado de trabalho, o atraso ou mesmo o abandono escolar e a restrição da mobilidade e da liberdade.

De acordo com ela, a pandemia de Covid-19 agravou a situação. “O fechamento das escolas, as quebras de vínculos e de muitos serviços também, como os serviços do Sistema Único de Assistência Social, que deixaram um pouco de estar tão presentes pela própria condição da pandemia, acabam por expor essas meninas a um fator de risco maior de casamento infantil, de abuso. Até a pressão financeira”, disse.

Entre os encaminhamentos propostos pela promotora, está a mudança na legislação brasileira, que hoje permite o casamento aos 16 anos, com a autorização dos pais (Código Civil). Flávia Gomes Cordeiro defende que apenas maiores de idade possam se casar.

Ela também propõe o fortalecimento de políticas públicas que garantam o acesso e a permanência na escola, especialmente de meninas, público mais suscetível; e a intensificação das estratégias escolares de busca ativa de crianças e adolescentes que vivenciam situações de abuso e casamento infantil.

Maridos mais velhos
A gerente estratégica de programas da ONG Plan International Brasil, Nicole Campos, citou a pesquisa “Ela vai no meu barco”, de 2015, feita pelo Instituto Promundo em parceria com a Universidade Federal do Pará e a Plan International. A pesquisa abordou o casamento na infância e na adolescência no Brasil.

Entre os resultados destacados por Campos, está que o tema não é parte constitutiva das agendas de pesquisa e formulação de políticas. O trabalho também aponta que frequentemente as meninas são as únicas cuidadoras dos filhos e as principais responsáveis pelo trabalho doméstico; e os maridos são em média nove anos mais velhos do que elas.

Entre os fatores que levam ao casamento, estão o desejo, muitas vezes de um membro da família, de proteger a reputação de uma menina que engravidou; o desejo de controlar a sexualidade das meninas; a vontade de obter segurança; e o desejo dos maridos de se casar com meninas mais jovens, consideradas mais atraentes e de mais fácil controle.

Já entre as consequências estão a gravidez e problemas de saúde maternal, neonatal e infantil; atrasos e desafios educacionais; limitações à mobilidade e às redes sociais das meninas; exposição à violência por parte do parceiro, entre outras.

De acordo com Nicole Campos, o casamento infantil está presente em todo o Brasil. “Está presente em áreas rurais e urbanas. Geralmente, a gente tem uma visão muito esteriotipada do casamento infantil. Porque ele não é ritualizado, porque é informal, parece que está mais presente nas áreas rurais, mas também está presente nas áreas urbanas. E, apesar da pobreza ser um fator de risco para o casamento infantil, ele também está presente na classe média alta”, disse.

Entre as recomendações que ela fez, estão alterar a legislação; promover a conscientização pública a respeito da legislação e das consequências do casamento na infância e na adolescência; priorizar uma educação sexual abrangente nos ambientes escolares; e oferecer serviços de saúde para a juventude.

O debate foi promovido a pedido das deputadas Tábata Amaral (PSB-SP) e Rosana Valle (PSB-SP) e coordenado pela deputada Rejane Dias (PT-PI).

Agência Câmara

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