Delator não precisa apresentar relatório de atividades depois de cumprir a pena
É inconstitucional a cláusula do acordo de colaboração premiada em que o delator se compromete a fornecer relatórios de atividades por prazo indeterminado, ultrapassando a duração da própria pena.
Com esse entendimento e por maioria de votos, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal deu provimento ao recurso ajuizado pela defesa de Rafael Angulo Lopez, que atuava transportando valores para o doleiro Alberto Yousseff.
Alvo da finada “lava jato”, Lopez firmou acordo de colaboração premiada com a previsão de cumprimento de pena no chamado “regime semiaberto e aberto diferenciado” e a obrigação de apresentação de relatórios bimestrais pelo prazo máximo de 15 anos.
A pena fixada na sentença foi de seis anos e oito meses de reclusão. Ainda assim, a obrigação dos relatórios foi estendida ao tempo máximo, e, segundo o acordo firmado, poderia ser incorporada em novas apurações ou condenações.
A 2ª Turma do STF, inicialmente, não conheceu do recurso por entender que a violação à Constituição era indireta. A defesa, feita pelos advogados Tracy Reinaldet, Matteus Macedo e Leonardo Castegnaro, interpôs embargos de declaração.
Por 3 votos a 2, o colegiado reconheceu a omissão no primeiro julgamento e deu efeitos infringentes para afastar a obrigação imposta no acordo de colaboração premiada, sob argumentação de que ele viola diversos princípios constitucionais.
O precedente é relevante porque a obrigação de apresentação de relatórios de atividades é uma constante nos diversos acordos firmados pela “lava jato” como forma de monitoramento de seus alvos.
Em nota, a defesa apontou que “a ‘obrigação’ de apresentação periódica de relatórios de atividades atingiu diversas pessoas que firmaram acordos de colaboração na operação “lava jato’. Portanto, acreditamos que o reconhecimento da inconstitucionalidade da apresentação desses relatórios pelo Supremo Tribunal é um importante avanço para corrigir as ilegalidades cometidas na referida operação”.
Violação constitucional
O voto vencedor foi do ministro Gilmar Mendes, para quem o caso representa violação ao princípio da legalidade penal e às garantias do devido processo legal, da presunção de inocência e da individualização da pena.
Para Gilmar, o fato de o delator ter de apresentar relatórios depois do cumprimento total da pena implica em verdadeira antecipação da punição em relação a eventuais novas condenações, situação que caracteriza o cumprimento de “pena virtual”.
“Pelo que se observa, a instância de origem manteve a aplicação de uma sanção sem a existência de processo e sem a afirmação da exata medida da culpa e do prazo de sua duração”, disse.
Assim, a medida é desproporcional e com evidente excesso em relação à única pena estabelecida, o que cria consequências jurídicas gravíssimas à liberdade do acusado, já que o descumprimento pode levar à rescisão do acordo ou regressão de regime.
“Todo esse contexto demonstra a flagrante violação ao princípio da legalidade penal, ao devido processo legal, à presunção da inocência e à individualização da pena, conforme acima descrito”, concluiu o ministro Gilmar Mendes.
Embargos rejeitados
Formaram a maioria com ele os ministros Dias Toffoli e Nunes Marques. Ficou vencido o relator, ministro Luiz Edson Fachin, acompanhado do ministro André Mendonça.
Ele votou por rejeitar os embargos de declaração e argumentou que o objetivo da parte geraria rediscussão de pontos já enfrentados.
Clique aqui para ler o voto do ministro Edson Fachin
Clique aqui para ler o voto do ministro Gilmar Mendes
RE 1.366.665