DF deve fornecer medicamento a paciente que não se identifica com sexo biológico
Crianças e adolescentes que não se identificam com o sexo biológico têm direito ao fornecimento de medicamento padronizado pelo Sistema Único de Saúde, para uso diferente do que consta na bula, com o objetivo de inibir a produção de hormônios sexuais. O entendimento é da 3ª Turma Cível do TJDFT ao determinar que o Distrito Federal forneça a um adolescente com disforia de gênero o medicamento Triptorrelina.
De acordo com o processo, a autora nasceu no sexo biológico masculino, mas se identifica com o sexo feminino desde os cinco anos de idade. Ela conta que a equipe médica que a acompanha prescreveu o uso do medicamento para bloqueio puberal diante do aparecimento de caracteres sexuais secundários, referentes ao sexo masculino. O Distrito Federal, no entanto, negou o fornecimento do remédio. A autora pede que o réu seja condenado a fornecê-lo.
Em primeira instância, o pedido foi julgado improcedente. A autora recorreu sob o argumento de que o medicamento é padronizado e fornecido pela Secretaria de Estado da Saúde do DF. Defende ainda que o remédio vai possibilitar que reafirme a identidade de gênero com a qual se identifica e ainda evitar eventuais distúrbios psiquiátricos.
O Distrito Federal, em sua defesa, alega que a pretensão da autora não é lícita. Afirma que o Conselho Federal de Medicina permitiu, em caráter experimental, o bloqueio puberal, em hospitais universitários e de referência no SUS. Ao analisar o recurso, a Turma observou que há indicação específica tanto da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabolismo quanto da Sociedade Brasileira de Pediatria para o uso do medicamento para o tratamento de pacientes púberes com quadro de disforia do gênero. Além disso, segundo o colegiado, a autora preenche os requisitos técnicos para receber o remédio.
“No caso em análise, há a maturidade puberal normal dentro da idade da paciente, uma adolescente de 14 anos, entretanto, os efeitos correlatos de desenvolvimento de caracteres de gênero não reconhecidos pela adolescente têm lhe causado sofrimento psíquico comum à população transgênero”, registrou. Segundo a Turma, o medicamento prescrito “é precisamente o efeito farmacológico desejável pela equipe que assiste a paciente em questão, a inibição da puberdade, em vista da condição especial de gênero que deve receber assistência especial em saúde”.
O colegiado registrou ainda que “frente à recomendação de bloqueio puberal e hormonioterapia pelo Conselho Federal de Medicina, bem como considerando a ausência de protocolos clínicos específicos para adolescentes transgênero no âmbito do SUS ou do núcleo de saúde do Distrito Federal, fica evidente a existência de uma lacuna de protocolo de prescrição farmacológica, a qual merece ser preenchida para a adequação da política pública já prevista para o caso concreto”. A Turma lembrou que há diretrizes do Ministério da Saúde para acolhimento de pessoas transgênero e instituição de políticas públicas em saúde para a população LGBT, além de edição de diretrizes de atendimento a pessoas transgênero pelo Conselho Federal de Medicina.
Na decisão, o colegiado salientou ainda que “a prescrição de medicamento para uso off label não tem vedação legal, sobretudo quando não demonstrado risco de dano à saúde ou a ineficácia do tratamento para a enfermidade do paciente”. Os desembargadores pontuaram que os estudos científicos apontam tanto a eficácia quanto a segurança do tratamento. Dessa forma, a Turma deu provimento ao recurso da autora para determinar ao Distrito Federal que forneça o medicamento Triptorrelina 3,75 mg, enquanto houver recomendação dos médicos assistentes.
A decisão foi unânime.
TJ-DFT