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09
Maio

Dostoiévski e Shakespeare, na pandemia, aliviam pena de reeducandos

Herman Melville, Fiódor Dostoiévski, William Shakespeare e Leon Tolstói estão entre os autores disponíveis no projeto “Remição pela Leitura Qualificada”, desenvolvido na Unidade Prisional Avançada (UPA) de Itapema, que teve a primeira prova de leitura feita remotamente nesta quinta-feira (7/5), por videoconferência. O projeto, baseado em outro de concepção do juiz Márcio Umberto Bragaglia, da comarca de Joaçaba, consiste na leitura de obras pré-selecionadas pela Vara Criminal da comarca de Itapema, com provas orais feitas mensalmente naquela unidade.

“O teste é feito para ver se ele leu o livro, por mais que não entenda nada, porque às vezes estamos tratando com pessoas que estudaram só até a terceira série. Se ele leu e contou a história, a gente o considera aprovado e passa para o próximo livro. Se a gente entende que ele não leu ou foi muito fraco, damos a oportunidade de ler novamente e no mês seguinte refazer a prova. Os livros têm uma sequência, só passam para o próximo após serem aprovados no livro anterior”, explica o juiz Marcelo Trevisan Tambosi, titular da Vara Criminal de Itapema.

A lista de leitura inicia com Moby Dick, de Herman Melville; passa por Otelo, de William Shakespeare; Grandes Esperanças, de Charles Dickens, e segue com obras de autores como Goethe, Robert Louis Stevenson e outros consagrados. Durante a prova de leitura, os participantes do projeto fazem um breve resumo das histórias, falam o que entenderam e se já passaram por histórias semelhantes. Concluem com os ensinamentos que tiraram de cada obra. Eles podem realizar duas provas por mês, ou seja, a leitura de dois livros. A cada 100 páginas finalizadas, recebem um dia de remição na pena. O magistrado explica que o objetivo do projeto é fazer com que eles façam reflexões sobre a própria realidade.

Durante a videoconferência desta quinta-feira, um dos leitores, que havia finalizado dois volumes de Irmãos Karamazov, de Dostoiévski, citou que para ele a mensagem subliminar da leitura foi, principalmente, a importância do afeto na criação dos filhos: “Crie seus filhos com amor, mantenha eles perto de você, certo? Porque se o mundo criá-los, você não vai conseguir, em um determinado momento, ter mais nenhum tipo de vínculo. No livro tem aquilo do ‘peixe morrer pela boca’, mostra que eles queriam o amor de alguém, queriam ser notados, tem gente que comete atos atrozes como um pedido de socorro. Algumas pessoas querem participar de um grupo, filhos abandonados que querem ter vínculo com alguém”, reflete.

Há sete anos na UPA de Itapema, o reeducando revelou ser um leitor assíduo, que não lê apenas os livros do projeto de remição. Possui o hábito da leitura desde antes da condenação e acredita que ler as mensagens das obras o faz refletir e melhorar como ser humano. Garantiu não “ler só por ler” e contou como iniciou a leitura dentro do cárcere.

“Em determinado momento que me vi aqui dentro foi bem complicado, você se sente excluído nesta caminhada que é estar detido. Eu sempre gostei de ler, antes de vir para cá eu já tinha o hábito da leitura, mas lendo títulos mais aprofundados como Dostoiévski e outros autores assim, ajudou muito a fechar certas lacunas, dúvidas que a gente tem no interior. Repartir o meu ponto de vista com alguém que queria ouvir sobre determinado assunto que a gente aprofunda no livro é algo interessante e gratificante”, garante.

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a remição de pena, ou seja, o direito do condenado de abreviar o tempo imposto em sua sentença penal, pode ocorrer mediante trabalho, estudo e, de forma mais recente, leitura, conforme disciplinado pela Recomendação n. 44/2013 do CNJ. A remição de pena, prevista na Lei de Execução Penal, está relacionada ao direito assegurado na Constituição Federal de individualização da pena. As possibilidades de remição de pena foram ampliadas pela Lei n. 12.433, de 2011, que alterou a redação dos artigos 126, 127 e 128 da Lei de Execução Penal e passou a permitir que, além do trabalho, o estudo contribua para a diminuição da pena.

Participam das provas orais na comarca de Itapema, além do magistrado e das assessoras Tufiane Ivone da Silva e Yohana Frainer Pinheiro Machado, membros do Conselho da Comunidade e advogados da área criminal da subseção da OAB de Itapema, convidados para acompanhar o ato e o depoimento do leitor, que se sente prestigiado. Nesta quinta-feira participaram da videoconferência a presidente do Conselho da Comunidade de Itapema, advogada Mel Thiesen Casado de Góes, e a advogada Lilian Cabral.

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