Habilitação de advogado em ação julgada por juiz inimigo não afasta suspeição
Se um juiz e um advogado são inimigos declarados e o advogado é habilitado para participar de um processo conduzido pelo juiz, cabe manter a suspeição do magistrado.
Com esse entendimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial para julgar procedente a exceção de suspeição do juiz titular da 2ª Vara Criminal de Boa Esperança (MG), pela inimizade pública com um advogado.
Os desentendimentos entre ambos são notórios e levaram à declaração de suspeição do juiz em alguns processos, embora não em outros — postura criticada pelo relator, ministro Ribeiro Dantas, como errática e violadora dos mandamentos de estabilidade e coerência da ação penal.
No caso, o advogado ingressou na defesa do réu quando o processo já estava em andamento e logo suscitou a suspeição do magistrado. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais julgou o pedido improcedente porque entendeu a medida como uma manobra processual para substituir o juiz da causa.
A corte de segundo grau aplicou o artigo 256 do Código de Processo Penal, segundo o qual “a suspeição não poderá ser declarada nem reconhecida, quando a parte injuriar o juiz ou de propósito der motivo para criá-la”.
No STJ, o ministro Ribeiro Dantas observou que, para usar a norma e afastar a suspeição, é preciso explicar precisamente os motivos de a conduta da parte estabelecer de propósito uma hipótese de suspeição, o que não foi feito pelo TJ-MG.
Nas razões do julgamento, o tribunal mineiro apontou que “a impressão que se tem é que o advogado excipiente ingressou nos autos com o objetivo de dar causa à suspeição”, o que não basta para a incidência do artigo 256 do CPP.
Não há registro de provocação ou insulto do magistrado pelo advogado, nem de conduta de má-fé com o intuito de afastar o julgador. O único fato apontado é a habilitação do defensor quando a causa já tramitava na 2ª Vara Criminal de Boa Esperança (MG).
O ministro Ribeiro Dantas destacou que, se a simples habilitação do advogado fosse suficiente para atrair a aplicação do artigo 256 do CPP, seu direito fundamental à liberdade profissional ficaria prejudicado, porque somente poderia exercer sua atividade advocatícia em processos fora da competência territorial daquele magistrado.
“Não existe a menor base legal para impor tão pesada sanção ao causídico, que veria, à margem da lei, sua profissão (e quiçá seu sustento) inviabilizada pela suspeição do julgador. O que a legislação determina é o completo oposto: com o reconhecimento da suspeição, é o juiz quem se remove da causa, nos termos do artigo 99 do CPP, não cabendo atribuir ao advogado — sem lei autorizadora, reitero — a obrigação de afastar-se preventivamente dos processos conduzidos pelo magistrado suspeito”, afirmou.
O relator ainda classificou a recalcitrância do juiz em declarar a própria suspeição como curiosa. “E pior: abriu ensejo para o acolhimento da exceção, com a anulação de atos processuais e, agora sim, a provocação de prejuízos severos ao andamento do processo, que retornará a sua etapa embrionária”, ressaltou. A votação foi unânime.
Clique aqui para ler o acórdão
AREsp 2.026.528