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Maio

Mulher trans conquista aposentadoria conforme regras para pessoas do sexo feminino na Justiça Federal do Ceará

Uma mulher transgênero conquistou o direito de se aposentar como professora, conforme as regras de aposentadoria para pessoas do sexo feminino, durante todo o período trabalhado. A decisão é da 3ª Turma Recursal da Justiça Federal do Ceará – JFCE.

De acordo com a justiça cearense, o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS argumentava que não poderiam ser aplicadas as regras a todo o período de trabalho da mulher porque ela só realizou a retificação de gênero no registro civil em 2020.

Ao analisar o caso, a Turma Recursal entendeu que o regramento deve sim disciplinar todo o período, independentemente da data da retificação.

“A pessoa nascida com características biológicas masculinas tem o direito fundamental de se autoidentificar como do gênero feminino e vice-versa. Esse direito, resguardado na Constituição da República, foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal – STF, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 4.275 e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, na Opinião Consultiva – OC 24/2017”, diz um trecho da decisão.

O juízo também citou caso similar julgado pela Corte Europeia de Direitos Humanos, os Princípios de Yogyakarta, elaborados a partir do Painel Internacional de Especialistas em Legislação Internacional de Direitos Humanos, Orientação Sexual e Identidade de Gênero, da Organização das Nações Unidas – ONU, e o Provimento 149/2023 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ.

“A identidade de gênero é uma experiência interna e individual de cada pessoa que deve ser respeitada e protegida pelo Estado. Pode-se afirmar que a mudança do prenome e do gênero no registro civil nada mais é que uma declaração de uma realidade que já é vivenciada pela pessoa desde muito cedo em seu amadurecimento psíquico. Essa transformação não acontece no registro civil, o registro apenas compatibiliza a experiência psíquica interna com os reclamos sociais, legais e jurídicos”, diz outro trecho da decisão.

Consequências jurídicas

Diante da decisão, o presidente da Comissão de Direito Previdenciário do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, o advogado Anderson De Tomasi Ribeiro, destaca o recente enunciado aprovado pelo Conselho da Justiça Federal – CJF, que diz: “nos benefícios programáveis da Previdência Social, será observada a identidade de gênero comprovada no momento da DER para as pessoas transgêneras, transexuais e travestis”.

“Desta forma, havendo a alteração de gênero antes do encaminhamento do benefício, prevalecerá o gênero retificado. Resta claro que o reconhecimento do gênero conforme a autoidentificação de cada indivíduo é um direito fundamental, relativo ao livre desenvolvimento da personalidade, e esta decisão não pode ficar apenas no papel, deve ter consequências jurídicas em outras áreas, como o Direito Previdenciário”, explica.

Segundo ele, não se trata de um caso isolado. Recentemente, o STF reconheceu a repercussão geral do Recurso Extraordinário – RE 1.471.538, que discute o pagamento de pensão previdenciária para a filha transgênero de um militar.

“A questão levantada é saber se o recebimento de pensão previdenciária por mulher trans – na condição de filha, maior de idade e solteira –, depende de alteração de registro civil antes da morte do servidor. O caso envolve uma mulher trans, filha de um militar da Marinha, morto em 1998. A pensão foi concedida a ela enquanto menor de idade, entretanto o benefício foi cortado, pois houve a retificação de gênero”, aponta.

Anderson De Tomasi entende que a decisão da Justiça cearense, embora não seja inédita, pode ser decisiva para a aplicação das regras de aposentadoria de acordo com a identidade de gênero, independentemente da data da retificação civil.

“O Conselho Nacional de Justiça – CNJ, por meio do Provimento 73/2018, regulamentou o procedimento extrajudicial, garantindo o direito às pessoas trans de ratificarem o prenome e/ou gênero em cartórios do registro civil de pessoas naturais, independentemente de autorização judicial prévia ou da necessidade de comprovação de realização de cirurgia de redesignação sexual e/ou de tratamento hormonal.  A certidão retificada é a prova necessária para comprovação do gênero e, por conseguinte, o enquadramento nas regras vigentes à época do encaminhamento do benefício previdenciário”, ele explica.

E acrescenta: “Além das regras de aposentadorias programáveis, deve prevalecer o gênero retificado na data do encaminhamento do benefício, na conversão de tempo especial (atividade insalubre e periculoso) em atividade comum, uma vez que o índice de conversão também varia de acordo com o gênero”.

IBDFAM

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