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03
Jul

OAB-RJ diz que delegado da PF violou sigilo entre investigado e advogado para incluir conversa em inquérito

O diálogo entre um defensor e seu cliente, seja por telefone, e-mail ou qualquer outra via de comunicação, está coberto por sigilo garantido por lei, não podendo ser usado como prova.

A Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro (OAB-RJ) afirma que a Polícia Federal (PF) violou o sigilo de comunicação entre um empresário e seu advogado ao incluir um diálogo deles num inquérito. Duas comissões da entidade vão à Justiça para invalidar essa “prova”.

O episódio ocorreu em 2022, em uma investigação sobre tráfico internacional de drogas. Para um dirigente da OAB, o caso é uma “aberração jurídica”.

Tanto a Constituição Federal quanto o Código de Processo Penal garantem que todo tipo de contato entre um indivíduo e seu representante de defesa está protegido e não pode servir como prova em qualquer processo. Essa prerrogativa vale para cartas, telefonemas e conversas presenciais.

O empresário Rodrigo de Oliveira Rodrigues, suspeito de tráfico, vinha sendo monitorado pela Polícia Federal. Com autorização da Justiça, a PF grampeou seus telefones. Em 8 de dezembro de 2022, agentes tentaram intimá-lo a depor, mas não conseguiram localizá-lo. Ciente de que estava sendo procurado, Rodrigo, no mesmo dia, ligou para seu advogado, Jairo de Magalhães Pereira, para pedir orientações.

Segundo as comissões de Prerrogativas e de Direitos Humanos da OAB-RJ, o delegado federal Rodrigo Maltez Gonzalez Domingues, da PF de Nova Iguaçu, ouviu a conversa e destacou um trecho do diálogo no inquérito — e inclusive identificou Jairo como advogado de Rodrigo.

O caso tramitava em sigilo na 4ª Vara Federal Criminal na Justiça Federal e tornou-se público recentemente, nas alegações finais — razão pela qual Jairo só agora está questionando a violação.

“A PF vai na casa do meu cliente, ele não está lá. Em seguida ele me telefona. O número dele está grampeado, o meu não. É óbvio que o meu cliente iria me ligar para entender o que estava acontecendo. Aí o delegado coloca [no processo] que eu sou advogado e que defendo ele. Sabia da minha função e violou uma prerrogativa minha. É ilegal e é uma forma de intimidar os advogados e a classe”, declarou Jairo.

“Ele [o juiz] deixou o processo em sigilo até as alegações finais. Como eu disse à Justiça que não faria a alegação sem saber do que se tratava, eles deram acesso. Quando eu vejo, a minha foto está no processo. Quando eu me deparei com aquilo, procurei a OAB para denunciar essa arbitrariedade. Não vamos aceitar intimidações. O delegado sabe que eu sou profissional. Se um delegado faz isso com um advogado, o que ele não faz com uma pessoa humildade da sociedade?”

‘Intimidação’

Ao g1, o advogado José Agripino da Silva Oliveira, presidente da Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária da OAB-RJ, classificou a atitude do delegado federal como “uma aberração jurídica” e “uma forma de intimidação”.

“O doutor Jairo, que é membro da Comissão, nos procurou para denunciar essa aberração jurídica e uma tentativa, uma forma, de intimidação feita por esse delegado. Vamos cobrar um posicionamento da Polícia Federal, do juiz do caso e do superintendente da Polícia Federal no Rio. Não pode fazer esse tipo de gravação ilegal e colocar a conversa de um advogado com seu cliente em um processo. Vamos exigir que essa parte seja retirada dos autos”.

O presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB-RJ, Rafael Borges, destaca que claramente houve “uma violação ao ofício do colega”.

“Tomamos ciência da violação do sigilo de correspondência entre advogado e cliente, realizado a pretexto de conduzir uma investigação criminal. O sigilo é inviolável e a exceção a essa regra só é admitida quando existem fundadas suspeitas de participação do próprio advogado em atividade criminosa. A OAB irá intervir, acompanhar e exigir que as autoridades preservem as prerrogativas profissionais deste ou de qualquer outro advogado que seja afetado”, afirmou Borges.

O cliente de Jairo chegou a ser preso e denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF). Mas, atualmente, responde ao crime em liberdade após um parecer favorável do MPF.

Procurado para comentar as supostas irregularidades cometidas pelo delegado e quais as medidas que serão adotadas, o Ministério Público Federal informou que “não adianta possíveis manifestações processuais”.

Já a Justiça Federal informou que “o magistrado não tem declaração a prestar sobre o caso”.

A reportagem entrou em contato com delegado federal Rodrigo Maltez Gonzalez Domingues e com a Polícia Federal. No entanto, até a última atualização da reportagem nenhum deles havia respondido.

Rafael Nascimento, g1 Rio

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