Representante comercial que trabalhava com autonomia tem vínculo de emprego negado com empresa de utensílios domésticos
O juiz do Trabalho Fabrício Luckmann, da 25ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, indeferiu pedido de reconhecimento de vínculo de emprego formulado por um representante comercial. O autor da ação atuou por mais de 2 anos em uma empresa do ramo de utensílios domésticos. A sentença foi confirmada pela 5ª Turma do TRT-RS, por unanimidade.
O representante comercial alegou ter sido contratado em maio de 2016, para a função de “vendedor externo”, e despedido, sem justa causa, em outubro de 2018, tendo recebido aviso-prévio. Referiu que sua jornada de trabalho era supervisionada e que a empresa lhe impôs que “trabalhasse como se pessoa jurídica fosse”, para fraudar o seu contrato de trabalho.
A ré, por sua vez, afirmou que estabeleceu contrato de prestação de serviços na modalidade de representação comercial com a empresa da qual o autor é titular, sendo este autêntico empresário, e não seu empregado. Também informou que o contrato foi rompido por iniciativa do autor, e em virtude da rescisão, foram pagas as verbas previstas na lei que regula esse tipo de contrato. Por fim, sustentou que no curso da relação havida entre as partes, o autor prestou idênticos serviços a outras empresas, não existindo qualquer exclusividade na prestação do serviço para a reclamada.
O juiz Fabrício Luckmann ressaltou, de início, que a doutrina define como requisitos essenciais para a configuração de uma relação de emprego a presença dos elementos pessoalidade, não-eventualidade, subordinação e onerosidade. Registrou, ainda, que pela natureza do contrato de representação comercial e da relação de emprego, são comuns, entre ambos, os elementos onerosidade e não-eventualidade. Assim, conclui o julgador que “o que efetivamente diferencia as formas de prestação de serviço são a pessoalidade e a subordinação (especialmente esta última)”.
Nesse sentido, no entendimento do juiz, a prova oral evidenciou que o autor assumiu os riscos da atividade econômica, uma vez que ele confessa que ao final do contrato estava trabalhando “no vermelho”, sendo sua a iniciativa de rompimento do vínculo. Além disso, o trabalhador afirmou em juízo que já tinha um escritório montado em sua casa, e que possuía plena liberdade de horários, sendo que “se precisasse resolver algum assunto particular durante o horário comercial não era obrigado a avisar, a não ser que tivesse alguma reunião ou cliente agendado”.
A prova documental trazida ao processo (conversas entre o autor e o supervisor, realizadas por aplicativo de mensagens de celular) também evidenciam, no entender do magistrado, a ausência de subordinação, na medida em que era o próprio autor que definia dias horários de visitas a clientes com o supervisor. Nas mensagens o autor informa, ainda, que possuía contador próprio.
Segundo o julgador, “em uma situação normal de emprego, não é razoável que o empregado imponha os dias ao seu superior hierárquico, já que o poder diretivo é do empregador”. Para ele, ainda, o fato de o reclamante possuir contador próprio “reforça a evidência de sua autonomia e da independência de sua empresa”.
No exame da prova documental, o juiz conclui que “os trechos destacados pelo reclamante na troca de mensagens em momento algum evidenciam a existência de subordinação ou pessoalidade”. O magistrado destaca que o supervisor em nenhum momento faz cobranças sobre metas ou resultados do autor, apenas “dá orientações e tenta prestar até mesmo uma espécie de suporte psicológico/emocional para que o autor não se aborreça com a situação (…) o que não se constataria em uma relação empregatícia típica”. Por fim, entende o magistrado que “a ausência de cobranças e fiscalização do serviço por parte da ré deixa evidente também a ausência de pessoalidade, na medida em que a reclamada não tinha qualquer controle de quem atendia os clientes, se o próprio autor ou outra pessoa”.
Diante das evidências expostas, o julgador considerou ausentes os elementos da subordinação e pessoalidade e julgou improcedente o pedido de reconhecimento de vínculo de emprego.
O autor interpôs recurso ordinário para reformar a decisão. O relator do acórdão, desembargador Manuel Cid Jardon, considerou igualmente inexistentes as provas dos requisitos caracterizadores da relação de emprego. O desembargador afirmou que “não se evidencia dos autos qualquer fiscalização da reclamada quanto à realização das atividades de visitação a clientes, não havendo prova de que se exigia pessoalidade do reclamante”. A Turma concluiu que a relação entre as partes trata-se de típico contrato de representação comercial na forma da Lei nº 4.886/65, razão pela qual confirmou a sentença de indeferimento do pedido.
Também participaram do julgamento o desembargador Cláudio Antônio Cassou Barbosa e a desembargadora Angela Rosi Almeida Chapper. Cabe recurso da decisão ao Tribunal Superior do Trabalho (TST).