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23
Jun

STF julga que desacato é constitucional, mas sua aplicação deve ser restritiva

O Supremo Tribunal Federal julgou, em sua sessão virtual do dia 19 de junho, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 496 ajuizada pelo Conselho Federal da OAB, e decidiu, por maioria de votos, que o crime de desacato foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, porém a sua aplicação deve ser restritiva. Na ação, a OAB questionou o artigo 331 do Código Penal, que tipifica o delito de desacato a funcionário público no exercício da função ou em razão dela.

Essa ação teve início na gestão anterior da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas, no período em que o atual presidente da OAB Paraná, Cássio Telles, exerceu a vice-presidência e depois a presidência da comissão. A OAB considera que o artigo 331 do CPP não especifica a conduta e traz uma normatização extremamente vaga. Como decorrência dessa imprecisão, o tipo penal reprime a liberdade de expressão de cidadãos, que ficam intimidados a não se manifestar diante de condutas praticadas por agentes públicos. Ainda de acordo com a OAB, a norma seria incompatível com o artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que tutela a liberdade de expressão.

Em seu voto, acompanhado pela maioria dos ministros, o ministro Luís Roberto Barroso sustenta que a previsão do crime é constitucional, mas sua aplicação não pode ser na amplitude atual.

“Como já referido anteriormente, os agentes públicos em geral estão mais expostos ao escrutínio e à crítica dos cidadãos, devendo demonstrar maior tolerância à reprovação e à insatisfação, sobretudo em situações em que se verifica uma tensão entre o agente público e o particular. Devem ser relevados, portanto, eventuais excessos na expressão da discordância, indignação ou revolta com a qualidade do serviço prestado ou com a atuação do funcionário público. Assim, o tipo penal do art. 331 do Código Penal deve ser interpretado restritivamente, a fim de evitar a aplicação de punições injustas e desarrazoadas”, relatou.

“O ministro sustentou ainda que “não basta, ademais, que o funcionário se veja ofendido em sua honra. Não há crime se a ofensa não tiver relação com o exercício da função. É preciso um menosprezo da própria função pública exercida pelo agente. E, mais, é necessário que o ato perturbe ou obstrua a execução das funções do funcionário público.”

Divergência

Os ministros Rosa Weber e Luiz Edson Fachin divergiram do relator. Em seu voto, o ministro Fachin assinalou: “Em uma sociedade verdadeiramente democrática, o remédio para combater os desvios que ocorrem à margem da esfera pública é a transparência . O melhor desinfetante, afirmava o Justice Brandeis, é a luz do sol. O melhor interesse público é aquele que se manifesta por meio de um exercício de racionalidade coletiva, ou seja, é o que é amplamente debatido, criticado, verificado. As críticas e as opiniões negativas que têm os cidadãos sobre a Administração Pública não maculam sua dignidade, ao contrário, a prestigiam. Elas integram o processo de verificação e depuração das melhores ideias que irão formar a base das políticas públicas.

Fachin ainda afirmou: “Não é difícil perceber que, sob essa perspectiva de uma liberdade cívica, o exercício da tolerância com opiniões negativas é mais do que simples dever da Administração Pública: a tolerância é parte constitutiva de sua legitimidade. Por essa razão, em uma sociedade democrática, não há como justificar a maior reprovabilidade da conduta que atinge a honra da Administração ou de seus funcionários. Não há como defender que os agentes privados tenham menor proteção da lei. O que desonra a Administração Pública não é a crítica, mas a conduta de seus funcionários.”

Confira aqui o voto do ministro Fachin na íntegra

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