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08
Dez

STJ decide que apenado que se recolheu em casa no período noturno enquanto respondia inquérito e/ou ação penal tem direito à detração da pena.

No fim de novembro, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou, por unanimidade, sob o rito dos recursos repetitivos, três teses que dizem respeito ao recolhimento de pessoa que cumpre medida cautelar diversa da prisão ao seu domicílio durante o período noturno e nos finais de semana e dias de folga do trabalho. O tribunal decidiu que esse tempo em que a pessoa fica recolhida deve contar como pena cumprida e, portanto, ser subtraído da quantidade de pena que a pessoa deverá passar a cumprir quando foi condenada e a sua pena for determinada – um mecanismo conhecido como detração da pena. 

A decisão gera um grande impacto no dia a dia de quem trabalha na área da Execução Penal, como é o caso das equipes da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) que atuam na área, e, obviamente, na vida das pessoas que já cumprem pena, mas que enquanto respondiam a um inquérito policial ou a uma ação penal precisaram se recolher em casa como uma medida alternativa à sua prisão provisória. 

De acordo com o STJ, a decisão fixa que o período em que a pessoa fica restrita à residência (noite e fim de semana) deve ser descontado da pena que depois ela vier a cumprir porque esta já é uma forma de privação de liberdade. Além disso, essa detração deve ser concedida independentemente do fato de a pessoa ter cumprido a medida usando tornozeleira eletrônica. Então, se a pessoa fica recolhida em casa nestes dias e horários, com ou sem tornozeleira, ela tem direito à detração da pena. Por fim, o STJ também fixou que essas horas noturnas e os fins de semana devem ser todos transformados em dias, não sendo contabilizadas as frações de dias que ‘sobrarem’.

Para o defensor público Caue Bouzon Machado Freire Ribeiro, que atua na área Criminal e de Execução Penal em Umuarama, esta é uma decisão paradigmática, que reconhece um direito óbvio à detração da pena de quem cumpriu medida cautelar de recolhimento domiciliar enquanto estava respondendo ao processo. “Essa decisão pode influenciar inclusive na diminuição da superpopulação carcerária na medida em que esse tempo que não era computado como pena cumprida passará a ser”, afirma o defensor. 

De acordo com ele, entretanto, há um lado da questão que precisa ser levado em consideração: a função da pena privativa de liberdade. “Uma análise crítica da decisão nos leva a questionar qual é a real função da pena. A pena de se recolher em casa auxilia de que forma na ressocialização [social da pessoa alvo da medida] e na retribuição [a imposição de um castigo pelo mal causado], funções típicas da pena? Ao meu ver, em nada. O apenado não é incentivado ao trabalho ou ao estudo, caindo por terra a já inexistente ressocialização, e as vítimas dos crimes provavelmente veem nesse tipo de pena uma impunidade sem tamanho”, comentou. 

A defensora pública e coordenadora da sede da DPE-PR em Londrina, Francine Faneze Borsato Amorese, ressalta que a decisão do STJ reconhece o recolhimento noturno e em dias de folga também como uma forma de privação da liberdade, e não apenas a privação que ocorre em uma unidade penal. “Nesse caso, a pessoa está com o seu direito de ir e vir restrito e, por conta disso, [esse recolhimento] deve ser de fato computado como [cumprimento de pena]. Até porque não computá-lo seria impor uma punição a mais, além daquela prevista em lei, o que é vedado pelo princípio do non bis In idem. Esse princípio garante que ninguém pode ser punido mais de uma vez pela mesma falta”, diz ela. 

Segundo Amorese, essa decisão torna a execução da pena mais justa. “Os apenados terão direito de ter detraído do total da pena os dias em que ficaram em recolhimento domiciliar, o que adianta o alcance de outros benefícios legais e principalmente a extinção da pena”, afirma.

A assessora de Execução Penal da DPE-PR Sabrina Monique, que atua no Complexo Médico Penal (CMP) de Pinhais, disse que, principalmente para os(as) usuários(as) da Defensoria, essa decisão é muito relevante. “Lidamos com pessoas vulneráveis que muitas vezes estão em situação de rua, ou não possuem condições materiais mínimas que as possibilitem realizar o cumprimento do monitoramento eletrônico de forma adequada”, lembra ela. 

Segundo a assessora, a monitoração eletrônica aplicada às pessoas em situação de vulnerabilidade acaba destoando da realidade de muitas pessoas. “Na prática, [não permitir a detração para pessoas que se recolhem em casa sem tornozeleira] acabava sendo uma medida desigual e injusta com aqueles que não eram monitorados, mas cumpriam corretamente a medida cautelar. Portanto, a decisão do STJ demonstra certo avanço, mas ainda é necessário discutir muitas outras disposições legais que, na prática, conflitam com questões sociais sensíveis”, afirmou. Essa ressalva se aplica, por exemplo, às pessoas impossibilitadas de até mesmo fazer o recolhimento noturno e nos finais de semana por não terem um local para morar nem para carregar a bateria do dispositivo, caso das pessoas em situação de rua. 

Defensoria Pública - PR

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